Mônia Bresolin, coordenadora da Unidade de Saúde Mental do Hospital Dona Helena
A alteração de sono mais comum é a insônia – fator de risco para disfunção, desenvolvimento de distúrbios médicos e mentais e aumento dos custos de saúde. Mas como lidar com ela? Hábitos e comportamentos inadequados tendem a interferir, e muito, no sono nosso de cada dia, e não adiantará qualquer outra abordagem (farmacológica, por exemplo) sem primeiro identificar e corrigir esses erros. Se existir boa higiene do sono, e não havendo outro hábito que possa afetar o sono ruim, recomenda-se buscar ajuda de um profissional capacitado para tratamento. Afinal, dormir bem é importante para manter a saúde em dia, assim como para evitar possíveis agravamentos de doenças que a pessoa possa ter.
O sono é definido como um estado fisiológico que ocorre dentro de um período de 24 horas, e se alterna com estados de vigília, em que a pessoa está acordada. Envolve três características: quantidade, qualidade e ritmo. Quantidade é o tempo total de sono adequado, definida pela forma como o indivíduo acorda pela manhã e como se apresenta durante o dia. Existem pessoas que, com pouco tempo de sono, acordam bem, dispostos e sem sonolência diurna. Outros necessitam de um tempo maior de sono para apresentar as mesmas características.
Qualidade do sono significa manter a “arquitetura do sono” normal. O sono é constituído de vários estágios, os quais traduzem os diferentes níveis e estados de consciência. Todas as fases ocorrem em ciclos que se repetem ao longo da noite. Para ter qualidade, não deve haver interferências, externas ou internas. Um ambiente adequado para manter (ou não atrapalhar) o sono se faz necessário. Ao mesmo tempo, fatores intrínsecos do indivíduo devem ser controlados para a manutenção dessa qualidade.
Outro requisito é um ritmo adequado de sono (dormir) e vigília (acordar). O ritmo biológico é distinto de pessoa para pessoa. Alguns sentem sono cedo e acabam também acordando cedo. Outros vão dormir mais tarde, e por isso necessitam manter o sono até mais tarde para descansar.
Explicando a insônia
Voltando à insônia: essa é uma condição clínica comum, caracterizada pela dificuldade em iniciar ou manter o sono, acompanhada de sintomas como irritabilidade ou fadiga durante a vigília (período em que está acordado). A prevalência do transtorno de insônia é de aproximadamente 10% a 20%, com algo em torno de 50% tendo um curso crônico. A prevalência de insônia em trabalhadores em turnos varia de 13% a 76%, acima do estimado para a população geral. A insônia envolve fatores genéticos, ambientais, comportamentais e fisiológicos que culminam na hiperexcitação. O diagnóstico é estabelecido por um histórico completo de comportamentos de sono, problemas médicos e psiquiátricos e medicamentos, complementado por um registro prospectivo dos padrões de sono (“diário do sono”).
A literatura médica apoia a eficácia das intervenções comportamentais, cognitivas e farmacológicas para a insônia. Intervenções comportamentais breves e terapia cognitivo-comportamental se mostram promissoras para ambientes de cuidados primários. Quanto a medicamentos, existem algumas opções no mercado, mas há preocupações persistentes com relação à sua segurança e à eficácia modesta. Já os tratamentos comportamentais devem ser adotados sempre que possível, e os medicamentos devem ser limitados à menor dose e à menor duração necessária.
Cabe aos médicos reconhecer a insônia por causa de seus efeitos na funcionalidade e na saúde. Uma história clínica completa pode ser suficiente para identificar os fatores que contribuem para a insônia. Tratamentos comportamentais devem ser usados quando possível. Medicamentos hipnóticos também são eficazes, mas devem ser cuidadosamente monitorados quanto a efeitos adversos.
ENTENDA MELHOR
Algumas possíveis consequências da alteração do sono
# Pessoas não deprimidas com insônia têm risco duas vezes maior de desenvolver depressão, em comparação com pessoas sem dificuldades de sono. Programas de tratamento precoce para insônia podem reduzir o risco de depressão e ser considerados uma estratégia preventiva geral útil na área de saúde mental.
# Indivíduos com insônia podem apresentar problemas cognitivos. A Apneia Obstrutiva do Sono (AOS) é um distúrbio respiratório noturno associado ao comprometimento cognitivo. Acredita-se que os principais determinantes dos déficits cognitivos na AOS sejam a interrupção do sono e as anormalidades dos gases sanguíneos.
# O comprometimento cognitivo também é observado em outros distúrbios, caracterizados principalmente por distúrbios do sono (por exemplo, restrição/privação do sono, insônia). Estudos demonstram que os efeitos da AOS não tratada, insônia e privação do sono na função cognitiva em adultos, em comparação com indivíduos sem alterações de sono, foram acompanhadas por déficits de atenção, memória, função executiva, função psicomotora e habilidades de linguagem.
Higiene do sono
Para ter um sono normal e reparador, muitas vezes necessitamos apenas priorizar alguns hábitos e evitar outros. Ter uma boa higiene do sono não é importante apenas para quem já tenha problemas para dormir, mas para todas as pessoas.
Confira as recomendações a Associação Brasileira do Sono:
. Adotar horários regulares de sono, ou seja, deitar-se e levantar habitualmente nos mesmos horários, mesmo nos finais de semana.
. Evitar cochilos prolongados à tarde. Quando a sesta é hábito, não deve ultrapassar uma hora, para não prejudicar o sono noturno.
. Cuidado com o ambiente de sono. O quarto deve conter as condições mínimas de conforto e ser utilizado apenas para dormir.
. Um banho morno, duas horas antes de dormir, pode ajudar a relaxar e abaixa a temperatura corporal, o que é necessário para desencadear o sono.
. Recomenda-se a prática regular de exercícios físicos, pelo menos seis horas antes do horário principal de sono.
. Expondo-se regularmente à luz pela manhã você sinaliza para seu corpo que está na hora de ficar ativo. À noite, seu corpo sabe que é hora do repouso. Podemos colaborar mais, diminuindo nosso ritmo de atividades e reduzindo a iluminação à noite.
. A alimentação também pode afetar o ciclo sono-vigília. Evitar agentes estimulantes como cafeína (café, chá, chocolate, refrigerantes e nicotina), refeições pesadas e excesso de líquidos antes de se deitar é interessante. Um lanche leve antes de dormir, rico em carboidratos, pode auxiliar.
. Sugere-se atividades relaxantes próximas ao horário de sono, como ler, pintar, bordar, escutar música calma.
. “Ruminar” as preocupações na hora de dormir é um péssimo hábito. É aconselhável escolher um horário no final da tarde para fazer o planejamento das atividades e para analisar seu problemas.